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Publicado em 16/11/2018

16/11/2018 - Outros

O Grande Circo Místico renova sonho do Oscar brasileiro

Se existe uma coisa da qual brasileiro gosta é torcer. No esporte, no entretenimento, na política… E aí vale aquela máxima popularizada há alguns anos de que, como bom brasileiro, ele não desiste nunca. Mesmo que a vitória insista em não chegar. Lá se vão 20 anos desde a última vez que o Brasil chegou perto de conquistar a estatueta dourada que simboliza o Olimpo do cinema, o tão sonhado Oscar de filme estrangeiro. Outras oportunidades vieram em outras categorias, mais ou menos disputadas, mas sempre com o mesmo desfecho: aplaudindo a vitória do concorrente.

Todo ano a esperança se renova e, dessa vez, não é diferente. Na última quinta-feira (15) estreou nos cinemas O Grande Circo Místico, escolhido para disputar uma das cinco vagas ao Oscar de filme estrangeiro. A produção tem como trunfo um dos principais nomes em atividade no cinema brasileiro: Cacá Diegues, 78 anos de idade, cerca de 60 deles dedicados à sétima arte e um dos expoentes do Cinema Novo. Mais uma vez a tarefa é árdua, visto que são nada menos que 87 concorrentes do mundo inteiro, alguns com maior potencial artístico e financeiro. Uma pré-seleção com nove filmes será divulgada em dezembro e a lista final sai no dia 22 de janeiro.

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Desde 1948, quando foi instituído o Oscar de filme estrangeiro, o Brasil disputou o prêmio em apenas quatro oportunidades; a primeira em 1963, com O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte. As outras três vieram na década de 90: O Quatrilho, de Fábio Barreto (96), Que é Isso, Companheiro?, de Bruno Barreto (98), e Central do Brasil, de Walter Salles (99). A última vez que um representante brasileiro ficou entre os dez semifinalistas foi no já distante 2008, com O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburger, que acabou não entrando na lista final.

O caminho até o tapete vermelho é longo e exige muito mais do que apenas um bom filme. Tudo começa na escolha do longa a ser inscrito, feita atualmente por uma comissão da Academia Brasileira de Cinema. Este ano foram 22 produções inscritas, dentre as quais foi selecionado O Grande Circo Místico. “O filme tem magia e poesia, muita brasilidade, músicas e alegria brasileiras”, justificou a produtora Lucy Barreto, que presidiu a comissão responsável e foi produtora de dois indicados, O Quatrilho e Que é Isso, Companheiro?. Outro membro da comissão, o cineasta Jeferson De, disse que o motivo central da escolha foi o fato de “a história de Cacá Diegues se confundir com toda criação cinematográfica no Brasil.”

Passada a definição de quem vai representar o país, vem a parte mais difícil: representar o país de fato. É preciso divulgar o filme nos Estados Unidos, a fim de que o maior número possível de votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas assista e indique a produção. O Ministério da Cultura, através da Secretaria do Audiovisual, contribui com uma ajuda financeira de R$ 200 mil para divulgação. Um valor pequeno, principalmente quando se consideram cinematografias mais fortes e com suporte de grandes estúdios.

Um dos favoritos ao prêmio desde já, por exemplo, é o mexicano Roma, de Alfonso Cuarón, que já tem na estante um Oscar de melhor diretor (por Gravidade, em 2014). Além de já ter faturado o prêmio de melhor filme no último Festival de Veneza, tem como distribuidora a gigante do streaming Netflix. Outros adversários de peso são o francês Memórias de Guerra, o alemão Nunca Deixe de Lembrar e o japonês Assunto de Família. Outro complicador é que a lista final nunca teve mais que dois representantes sul-americanos. Logo, há uma disputa interna com filmes como o argentino El Ángel, o colombiano Pájaros de Verano e o paraguaio As Herdeiras.

O Grande Circo Místico é baseado em um poema do alagoano Jorge de Lima e conta a história de cinco gerações de uma família circense, da década de 1910 até os dias atuais. Com toques de surrealismo, a trama é pontuada por tragédias, traições e temas mais pesados, como estupro e incesto. “É meu melhor filme, tudo o que penso sobre cinema está concentrado lá”, garantiu Cacá Diegues em entrevista à Gazeta do Povo, revelando que o projeto de adaptar a obra tomou 12 anos. “O cinema mundial caiu em um naturalismo desnecessário, enquanto eu queria fazer um exercício mais poético.”

Diegues informou que nos próximos dias embarca com uma equipe para Los Angeles, onde vai promover O Grande Circo Místico em sua empreitada rumo ao Oscar. “Eu tô contente, vamos ver se a gente consegue chegar lá. Não temos dinheiro para fazer campanha como outros países, que gastam milhões, mas vamos lá mostrar nosso trabalho”, diz. “Claro que gostaria de estar no Oscar representando o cinema brasileiro. Mas também sabemos que o Oscar não é um juiz supremo, é apenas o aspecto de um eleitorado cooperativo, dos profissionais de Hollywood.”

Nisso o cineasta tem toda a razão, visto que a premiação nem sempre está associada a qualidade. Mas há quem defende que um prêmio dessa natureza seria importante para o Brasil. O crítico Rubens Ewald Filho, que há décadas acompanha e comenta a premiação, acredita que o primeiro ganho seria de autoestima. “O que falta ao brasileiro é gostar de si próprio, do país, dos que teriam merecimento e talento. Faz anos que os prêmios internacionais são em cima de pobreza, tragédia, problemas, coisas que os nossos filmes indicados para concorrer sempre resistem e negam”, afirma.

Rubens acredita que a maior dificuldade do cinema brasileiro, que faz com que até hoje ainda não tenha conquistado uma estatueta, é o fato de não saber se vender. “O caso mais curioso e estranho foi Cidade de Deus, de Fernando Meirelles. Não souberam lutar pelo filme, que não foi indicado para filme estrangeiro, mas o vigarista notável Harvey Weinstein [ex-presidente da produtora Miramax, acusado de abuso sexual] coloca o filme no ano seguinte em quatro indicações [diretor, roteiro adaptado, fotografia e edição], o que era muito mais difícil, complicado e notável”, relembra.

À procura de originalidade

Algo que sempre suscitou debates e por vezes direcionou a escolha dos representantes brasileiros foi a temática dos filmes. Durante um tempo falava-se em “filmes de Oscar”, que englobavam histórias com temáticas mais sensíveis, feitos históricos, pitadas de melodrama e, muitas vezes, crianças como protagonistas. Foi o que teria levado, há dois anos, a comissão responsável pela indicação brasileira a escolher Pequeno Segredo em detrimento do controverso, mas poderoso Aquarius.

As premiações dos últimos anos mostram que essa ideia já parece ultrapassada. Os três últimos vencedores foram dramas contundentes sobre um transexual (o chileno Uma Mulher Fantástica, 2018), divisões sociais (o iraniano O Apartamento, 2017) e o holocausto (o húngaro Filho de Saul, 2016). Uma tendência que vem sendo seguida de maneira geral pela Academia, que de uma década para cá passou a abrir cada vez mais espaço para produções independentes e fora dos padrões do cinemão hollywoodiano.

Numa entrevista concedida em agosto, o produtor Rodrigo Teixeira, da RT Features, indicado este ano com Me Chame Pelo Seu Nome, relatou uma conversa com o presidente da Academia, John Bailey, na qual o assunto foi abordado. “Ele perguntou onde está o cinema brasileiro que eles não veem, que a gente não está mostrando isso para eles, que estamos mostrando filmes que são reflexo dos filmes que eles fazem lá e que eles não procuram isso. Ele me disse: ‘a gente procura originalidade, vocês não estão mostrando originalidade para a gente’.”

Sobre O Grande Circo Místico, as críticas não têm sido positivas, tanto no Brasil quanto em Cannes, onde a produção estreou. Alguns críticos contestaram a escolha da comissão, preferindo o drama familiar Benzinho, de Gustavo Pizzi, ou o suspense O Animal Cordial, de Gabriela Amaral. Rubens Ewald Filho diz torcer por Cacá Diegues, mas acha difícil que o filme emplaque uma indicação devido à temática e às cenas fortes. “Torço pelo Cacá, é difícil ter uma carreira tão honrosa e bem-sucedida quanto à dele. O problema é que os americanos neste momento passam por crises, com governos estranhos e moralistas.”

Documentários e animação também estão no páreo

Não é só na categoria de filme estrangeiro que residem as esperanças do Brasil participar do Oscar. Em pelo menos duas categorias o país conta com representantes pré-selecionados: dois na de melhor documentário e um na de animação. Dois segmentos nos quais o país se fez presente na última década.

Na lista de 166 documentários habilitados para concorrer ao prêmio em 2019 estão O Processo, de Maria Augusta Ramos, sobre o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), e Piripkura, de Mariana Oliva, Renata Terra e Bruno Jorge, sobre uma tribo indígena na Amazônia. Em dezembro será divulgada uma relação com os semifinalistas. O Brasil já foi indicado três vezes na categoria, com coproduções internacionais: Raoni (1979), Lixo Extraordinário (2011) e O Sal da Terra (2015).

Já entre os 25 pré-selecionados para disputar o Oscar de animação está Tito e os Pássaros, de Gabriel Bitar, André Catoto e Gustavo Steinberg. O filme conta a história de um menino que tenta descobrir a língua dos pássaros enquanto a população é atingida por uma epidemia de medo. O Brasil já concorreu a esse mesmo prêmio em 2016, com O Menino e o Mundo, de Alê Abreu.

Brasileiros também já concorreram nas principais categorias do Oscar. Quem não se lembra de Fernanda Montenegro, indicada a melhor atriz por Central do Brasil, em 99? Ou das quatro indicações conquistadas por Cidade de Deus em 2004, entre elas a de melhor diretor para Fernando Meirelles. E temos até uma brasileira que já faturou a estatueta. Indicada três vezes, a carioca Luciana Arrighi faturou o prêmio de Direção de Arte em 1993, pelo drama britânico Retorno a Howards End, de James Ivory.

Pré-indicados

Por enquanto, quatro filmes brasileiros estão oficialmente no páreo para concorrer ao Oscar em três categorias. Confira quais são eles:

O Grande Circo Místico

O filme de Cacá Diegues, um dos maiores nomes em atividade no cinema nacional, foi o escolhido para representar o Brasil na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro. A produção narra a história de cinco gerações de uma família circense, desde a década de 1910 até os dias atuais. O longa fez sua estreia no Festival de Cannes, em uma sessão especial que também serviu para homenagear o diretor. O filme está em uma relação de 87 produções de diferentes países, das quais serão pré-selecionadas nove antes da lista final, com cinco concorrentes.

O Processo

O filme de Maria Augusta Ramos é um dos dois brasileiros incluídos na relação de 166 produções qualificadas para concorrer ao Oscar de melhor documentário. A diretora retratou o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016. A seu favor, o filme acumula uma série de prêmios internacionais na Espanha, Portugal e Suíça, além de ser escolhido pelo público o terceiro melhor filme na mostra Panorama do Festival de Berlim. Uma nova seleção com os semifinalistas será anunciada em dezembro.

Piripkura

Ainda na corrida pelo Oscar de melhor documentário está o filme dirigido por Mariana Oliva, Renata Terra e Bruno Jorge. A produção conta a história de dois índios remanescentes do povo Piripkura, uma tribo da região amazônica. Um terceiro documentário relacionado ao Brasil está entre os selecionados, Nossa Chape, que narra a tragédia que vitimou o time de futebol da Chapecoense no final de 2016. No entanto, se trata de uma produção americana da Fox Sports, dirigida por Jeff e Michael Zimbalist.

Tito e os Pássaros

Depois de O Menino e o Mundo, em 2016, o Brasil está novamente na corrida pelo Oscar de melhor animação. Entre os 25 filmes qualificados para a disputa está Tito e os Pássaros, dirigido por Gabriel Bitar, André Catoto e Gustavo Steinberg. A produção narra a história de um garoto que pesquisa a língua dos pássaros enquanto uma epidemia de medo começa a se alastrar entre a população. Para chegar na lista final, contudo, a animação tem adversários de peso, como Os Incríveis 2, Hotel Transilvânia 3 e A Ilha dos Cachorros, de Wes Anderson.