
O Traidor: dose dupla de Maria Fernanda Cândido
´Você tem duas ótimas oportunidades para conferir o talento de Maria Fernanda Cândido nas telas de cinema - a primeira, no blockbuster do 3o filme de Animais Fantásticos, no papel da Bruxa Vicenza. A outra, como Maria Cristina, esposa brasileira do mafioso Tommaso Buscetta, o homem que desafiou a Cosa Nostra em "O Traidor".
Como Maria Cristina, Maria Fernanda Cândido foi reconhecida como Melhor Atriz Coadjuvante no prêmio KINEO, do Ministério da Cultura da Itália.
O Traidor: razões para assistir
1. A história de Tommaso Buscetta
Uma das razões mais fortes para assistir ao filme é atender a curiosidade em saber mais detalhes sobre a vida de Buscetta no Brasil, um dos homens mais caçados pela Máfia e procurados pela Interpol que, apesar de tudo, conseguiu viver bons anos ao lado de uma mulher culta, educada e cuja família era formada por homens de lei.
2. Prêmios
Coprodução ítalo-brasileira com aporte de investimento germânico e francês, o filme recebeu sete troféus Nastro D’Argento, um dos prêmios mais festejados da Itália, e disputou 18 categorias do David di Donatello, o Oscar pensinsular. Triunfou em seis, sendo quatro as mais cobiçadas – melhor filme, diretor, ator protagonista (Pierfrancesco Favino, o Tommaso Buscetta) e roteiro original.
A consagração veio também da mídia. Depois de disputar a Palma de Ouro em Cannes, publicações exigentes como Positif, Libération e Bande à Part lhe atribuíram cinco estrelas. A irascível Cahiers du Cinéma, quatro, mesmo número de L’Humanité, jornal comunista, La Croix, publicação católica, do respeitadíssimo Le Monde e do descolado em Les Inrock.
3. Maria Fernanda Cândido
MF está simultaneamente em duas produções cinematográficas, visto que "O Traidor" data de 2019 e ficou em standby dois anos por conta da pandemia.
Em determinada passagem, Maria Cristina (Maria Fernanda Candido, hoje radicada em Paris e dedicada à carreira internacional), espera o marido em sua casa-esconderijo. Ela está na cama. Ele pergunta, em conversa telefônica de longa distância, como ela está vestida. Com voz sedutora de mulher apaixonada, a cônjuge responde: eu não estou vestida (e acaricia o corpo nu).
4. Mais uma história de Máfia
Quase todo mundo adora histórias sobre a Máfia. Como disse o próprio Buscetta "a Máfia não é o que se vê nas telas de cinema" e a origem dessa fama glamurosa remonta à década de 70, como O Poderoso Chefão.
Pelo sim, pelo não, "O Traidor" tem vários motivos para ser visto - não apenas porque histórias de máfia são interessantes, mas também porque Buscetta, com exceção de Totó Riina (O Capo del Capi) é um dos personagens mais contundentes de toda criminalidade organizada.
Tragédia siciliana
Buscetta parece personagem de ópera italiana: é cercado de glamour, crime, um enredo familiar intenso e muita tragédia. Diferentemente de Totó Riina, o capo del capi, Buscetta é educado, menos intempestivo e duvida da ética do Capo "Riina" porque, ao contrário de Totó, Buscetta acredita na Omertá e entende que há um limite para tudo, como não maltratar e matar crianças e mulheres. Já Totó Riina transgride facilmente estes limites.
Em determinada altura, os dois passam a bater de frente. Buscetta, ao trair a Máfia Italiana, busca refúgio no Brasil, onde vive por longo tempo em um suposto "anonimato".
Pesquisa
Diversos aspectos da vida de Buscetta estão disponíveis em extenso material de vídeo que se pode achar, facilmente, no próprio YouTube. Por que Buscetta veio para o Brasil e como manteve o alto padrão de vida por tanto tempo, é motivo para muitas teorias.
História
“O Traidor” é uma história que tem muito a ver com o Brasil, pois seu protagonista, o “arrependido” Tommaso Buscetta (1928-2000), radicou-se no Rio de Janeiro, fincando raízes na sociedade carioca e desposando Maria Cristina de Almeida Guimarães, moça bem-situada na pirâmide social brasileira. Apaixonada por Tommasino, o “Masino” (apelido familiar), a carioca tudo fará para viver em companhia do homem que amava o bolero “História de un Amor” (do panamenho Carlos Almarán, 1955). Esse sucesso estrondoso do cancioneiro latino-americano foi gravado por centenas de vozes, do brasileiro Altemar Dutra ao espanhol Julio Iglesias. No filme, o diretor Bellocchio utilizará a canção em momentos de lazer e de violência brutal. Neste caso, em sequência de tortura, na qual Maria Cristina é pendurada num helicóptero, sobre o oceano, pela Polícia, para que “abra o bico”.
Início
Em “O Traidor”, tudo começa na Sicília. Em 1980, numa cerimônia religiosa, devotos festejam Santa Rosalia. Sim, são devotos fervorosos, mas também contraventores e apegados a código de honra baseado no apadrinhamento (proteção) dos que cometem crimes para determinado grupo (os parlemitanos em luta contra os corleoneses). Os primeiros atuam na cidade de Palermo, capital siciliana. Os outros, em Corleone, comuna próxima. O mundo vive a euforia da heroína. A disputa de território gera verdadeiro banho de sangue.
Heroína em casa
Palermo transforma-se na capital da droga derivada da papoula. Buscetta, o “Masino”, é um soldado bem situado na hierarquia da Cosa Nostra, mas sofre ao ver um dos filhos mergulhado no consumo de heroína. A guerra generalizada se amplifica entre os chefes mafiosos pelo controle do tráfico. Buscetta é obrigado a fugir, escondendo-se no Brasil. Na Itália, os acertos de contas continuam acontecendo. O filme de Bellocchio registra, com números que se multiplicam com a velocidade de um taxímetro, a quantidade de cadáveres (80, 100, 150, 170, 198…)
Captura
De longe (no Brasil tropical, na Praia de Grumari e em outras localidades), Buscetta fica sabendo da morte de seus filhos mais velhos e irmãos, assassinados em Palermo. E tem certeza de que será o próximo. Está com os dias contados. Preso pela polícia brasileira, será extraditado para a Itália. A caminho da prisão, ainda em solo brasileiro, tem um ataque epilético. No avião, também, terá transtornos de saúde. Mas será entregue à Justiça peninsular.
O delator
Já em mãos de autoridades italianas, o prisioneiro tomará decisão que mudará, pelo menos parcialmente, os rumos da máfia italiana. Ele vai contar o que sabe ao Juiz Giovanni Falcone. Portanto, transformar-se-á em um delator. Quebrará o voto de fidelidade eterna feito à Cosa Nostra.
“O Traidor” ocupará, então, parte substantiva de sua narrativa nas barras de um Tribunal. Ninguém espere, de Bellocchio e de seus atores, a saga de um mafioso arrependido, transformado em herói. Ninguém será visto como mocinho ou bandido, mas sim como seres complexos, que em momentos-limite, buscam a sobrevivência. Com parte da família (o ramo siciliano) destruída na guerra da Cosa Nostra, Buschetta quer salvar sua esposa brasileira e filhos pequenos (já abrigados na Flórida, nos EUA).
O Julgamento
O julgamento será visto como um verdadeiro teatro, no qual cada um dos réus veste sua própria máscara para interpretar o papel que lhe convém. E, com a contenção que lhe é característica, Bellocchio desenhará um retrato doloroso da Itália do final do século XX (1980 a 1999), que transformara-se em ponto geográfico crucial no tráfico de drogas. Em abril de 2000, Buscetta morria na Flórida. Sua imagem real será vista, feliz, cantando “História de un Amor”, sua música preferida. Pablo Escobar também tinha seu bolero de estimação.
Bellochio, diretor de “O Diabo no Corpo”, soube, como poucos, ocupar-se da sexualidade. Em “O Traidor”, a violência e a traição, porém, estão em primeiro plano. Mas o amor de uma brasileira por um mafioso italiano ganhou registro, embora breve, ainda assim, marcante.
O Traidor
Itália, Brasil, Alemanha, França, 135 minutos, 2019
Direção: Marco Bellocchio
Elenco: Pierfrancesco Favino, Maria Fernanda Candido, Fabricio Ferracane, Luigi de Cascio, Fausto Russo, Giovanni Calcagno, Alessio Praticò, Nunzia Lo Presti, Goffredo Bruno, Federica Butera, Bebo Storti, Nicola Siri, Luciano Quirino, Jonas Bloch, Rainer Cadete
Roteiro: Marco Bellocchio, Ludovica Rampoldi, Valia Santella e Francesco Piccolo
Trilha sonora: Nicola Piovanni
Produtora brasileira: Gullane
Distribuição: Pandora Filmes
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